segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

O ocaso de um Génio


Dia 2 de Fevereiro morreu um gigante do século XX, Joshua Lederberg, o «pai» da genética microbiana, homenageado com o Nobel quando tinha apenas 33 anos pela sua descoberta de que as bactérias também têm «sexo» - embora sem indícios de que se divirtam no processo, apesar do afinco com que se dedicam à reprodução.Joshua Lederberg partilhou o Nobel de Medicina em 1958 com George Wells Beadle e Edward Lawrie Tatum «pelo trabalho respeitante a recombinação genética e genética bacteriana». Ao anunciar o prémio, o Instituto Karolinska referiu que Lederberg descobrira que «diferentes tipos de bactérias poderiam ser cruzados para produzir descendentes contendo uma nova combinação de factores genéticos». O processo, análogo ao sexo, fora designado por Lederberg «recombinação» no artigo «Gene recombination in E. coli», publicado na edição de 19 de Outubro de 1946 da Nature .Lederberg, que organizou o Departmento de Genética Médica na Stanford University Medical School (1957), de que foi Chairman entre 1957 e1958, foi director do Kennedy Laboratories for Molecular Medicine (1962) e presidente da Rockefeller University (1978-1990), foi o pioneiro da microbiologia e imunologia modernas que lançou as fundações da engenharia genética e da abordagem genética da medicina. A actividade de Lederberg não se restringiu à biologia e introduziu a ciência da computação e a inteligência artificial nos laboratórios de biologia.Em 2003, Lederberg, um grande comunicador de ciência que mantinha uma coluna que distribuía por jornais de referência, intitulada «Ciência e Homem» e que sobre o impacto das descobertas científicas na sociedade, escreveu um artigo em exclusivo para o Expresso, reproduzido nesta página.Filho de um rabi ortodoxo que reagiu «muito fortemente» à vocação religiosa do pai interessando-se desde muito cedo por assuntos cientícos e seculares, Lederberg foi um firme advogado da ciência e da comunicação de ciência. Como afirmou, manteve ao longo da vida «um interesse inamovível em ciência, a forma pela qual o homem pode conseguir perceber a sua origem e propósito».Para Lederberg, muito crítico do sistema de financiamento de ciência actual que privilegia projectos com aplicações rápidas e não a chamada investigação fundamental, o divórcio entre ciência e sociedade a que assistimos é um efeito colateral do que chamou «Instrumentalismo, ou a ciência dirigida a necessidades específicas» que «parece ser cada vez mais o critério para o investimento em ciência» e sobre o qual «Tenho sérias reservas em o aceitar como a única base moral para uma carreira em ciência».Para fortalecer a cultura de ciência, Lederberg propôs quatro reformas, dirigidas ao sistema norte-americano mas que me parecem universais. As reformas pretendem obstar à deriva do verdadeiro espírito científico, que o seu mentor «Francis Ryan compreendia bem: a melhor forma de alcançar progresso científico é resistir à tentação de o controlar. Como escreveu Emerson numa meditação sobre a imprevisibilidade do génio, 'The mind goes antagonizing on'; os movimentos mais produtivos da mente são aqueles livres de expectativas prematuras sobre as recompensas que darão».Continuando com as palavras de Ralph Waldo Emerson, «Há sempre o pôr do sol e há sempre génios»: na semana passada atingiu o ocaso a vida de um génio mas a luz da sua mente brilhante nunca se apagará nas nossas.

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